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20 de setembro: A história do Rio Grande do Sul nas estrofes do hino
Rio Grande Do Sul
Publicado em 20/09/2024

A aurora precursora

A tomada de Porto Alegre, em 20 de setembro de 1835, marcou o início da Guerra dos Farrapos, mas os ideais de Bento Gonçalves e seus homens foram propagados de fato a partir do ano seguinte. Até a batalha do Seival, em 11 de setembro de 1836, as coisas não iam bem para os rebeldes. Nesta data, Antônio de Sousa Netto, inflado pela vitória, proclamou a República Rio-Grandense e, daí por diante, fez do movimento que reivindicava questões políticas e econômicas ao Império a mais longa e importante revolução da história do Brasil.

A “aurora precursora” pode ter sido a invasão planejada por Bento, Gomes Jardim e Netto, à Capital da então Província de São Pedro, mas o farol surge em Seival. A partir daquele triunfo, os Farroupilhas renovaram propósitos. A também chamada República do Piratini ganhou novas inspirações cores e identidade.

Sucedeu-se um período de melhor sorte, com importantes vitórias; uma delas tendo relação direta com um dos mais caros símbolos cultivados pelos gaúchos nos dias atuais. Em 30 de abril de 1838, o regente da banda do 2º Batalhão de Caçadores de Primeira Linha do Rio de Janeiro, Joaquim José de Mendanha, estava na Vila de Rio Pardo com sua banda, quando o local foi atacado pelos revolucionários. Capturado entre tantos outros imperiais derrotados na Batalha do Barro Vermelho, o maestro negro, natural de Minas Gerais, recebeu a ordem de compor uma música. O capitão rebelde Serafim José de Alencastre ficou responsável por acrescentar alguns versos. Em 6 de maio seguinte, a canção foi executada durante o baile oficial que celebrou a tomada de Rio Pardo.

A ‘aurora precursora’ pode ter sido a invasão planejada por Bento, Gomes Jardim e Netto, à Capital da então Província de São Pedro, mas o farol surge em Seival.

Um hino

Cerca de um ano depois, uma nova letra, de autoria anônima, é reproduzida no jornal Farroupilha “O Povo” como “Hino da Nação”. A publicação, que era veículo oficial da República, ocorreu em 4 de maio de 1839, comemorando o primeiro aniversário do feito.

Já no fim da guerra surgiu uma terceira versão, ainda utilizando a música de Joaquim José de Mendanha. O militar e poeta Francisco Pinto da Fontoura (conhecido como Chiquinho da Vovó) escreveu os novos versos e o Hino Rio-Grandense como o conhecemos hoje vinha à luz.

Quase um século mais tarde, no ano de 1934, durante a preparação para o centenário da Revolução Farroupilha, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul definiu como obra canônica a letra de Francisco da Fontoura. Continha o estribilho e três estrofes. Ainda assim, com o martelo batido quanto a que palavras deveriam ser cantadas, o hino carecia de formalidade.

Alteração

Uma lei de 1966 deu os contornos cerimoniais à música, mas com uma alteração: a estrofe intermediária, citando Atenas, gregos e romanos, foi suprimida. Assim, o Rio Grande do Sul tomou como símbolo oficial a celebração de uma revolução que, independente do desfecho, exaltou sobretudo a bravura do nosso povo e sua capacidade de enfrentar as dificuldades.

 

Mapa de 1839 mostra o espaço rio-grandense, palco da guerra Mapa de 1839 mostra o espaço rio-grandense, palco da guerra | Foto: Bibilioteca Nacional / reprodução / CP

O primeiro Hino do Rio Grande do Sul, de 1838:

"No horizonte rio-grandense

se divisa a divindade,

extasiada em prazer,

dando viva à liberdade.

Da gostosa liberdade

brilha entre nós o clarão;

da constância e da coragem

eis aí o galardão

Avante, ó povo brioso,

nunca mais retrogradar,

porque atrás fica o abismo

que ameaça vos tragar.

Da gostosa liberdade

brilha entre nós o clarão;

da constância e da coragem

eis aí o galardão

Salve, ó vinte de setembro,

dia grato e soberano

dos heróis continentistas

ao povo republicano.

Da gostosa liberdade

brilha entre nós o clarão;

da constância e da coragem

 

eis aí o galardão"

Inconformismo pela liberdade

 

Em que pese os debates históricos entre as três versões da letra, o hino é, indiscutivelmente, um dos nossos maiores patrimônios. Traduz o sentimento que deflagrou a rebelião mais tarde alçada à revolução. Eternizou palavras passadas às gerações seguintes, que ainda hoje norteiam nossa liberdade, autonomia e luta por direitos.

É, dignamente, o precursor dos tempos de paz vividos hoje. Feita como mandamento gravada em pedra, cada estrofe encoraja o povo do Rio Grande do Sul a seguir sempre adiante. Se antes retratavam batalhas travadas a ferro e fogo, tais versos, agora ressignificados, permanecem simbolizando resistência e recuperação da nossa gente. Para sempre, independente do contexto, nosso hino nos cobrará coragem e aguerrimento diante de qualquer obstáculo. Não importa, portanto a época, será sempre uma bandeira moral que temos o dever de conduzir com todo cuidado.

Cada verso e cada estrofe do Hino Rio-grandense encoraja e estimula a população gaúcha

a seguir sempre em frente, peleando sempre em prol dos ideais de Bento e companhia

Autor

Joaquim José Mendanha nasceu em Ouro Preto, em Minas Gerais, no ano de 1801 e faleceu em Porto Alegre, em 2 de setembro de 1885. Foi músico e professor. Mudou-se para o Rio Grande do Sul ainda moço.

Após capturado na Batalha do Barro Vermelho, em 1839, permaneceu refém até o ano seguinte. De volta à Capital depois deste episódio, estabeleceu-se como músico profissional e tornou-se referência no ofício.

Maestro Joaquim José de Mendanha (1801-1885), autor do Hino Rio-Grandense Maestro Joaquim José de Mendanha (1801-1885), autor do Hino Rio-Grandense | Foto: Reprodução

História

Contexto – A Revolução Farroupilha surgiu de um descontentamento geral da classe dos estancieiros. Foi, ao contrário de outras revoltas durante o Período Regencial, uma rebelião de elite. O poder econômico rio-grandense naquele momento estava nas mãos de dois grupos distintos, ambos ligados ao mercado da carne.

O primeiro era formado pelos criadores de gado da região da Fronteira. O segundo consistia nos charqueadores da região costeira das lagoas, cujos principais centros urbanos eram Rio Grande e, sobretudo, Pelotas.

O charque (a carne seca e salgada) era o principal produto da economia da província, muito utilizado na alimentação das camadas pobres e dos escravos no Centro-Sul brasileiro. Ao mesmo tempo em que os principais líderes revoltosos mantinham estreitíssimas relações com o país platino vizinho, dependiam economicamente do Rio de Janeiro e das demais províncias brasileiras para a sua produção.

Apenas alguns anos antes, a então Província Cisplatina, pertencente ao Império do Brasil, havia se tornado o independente Uruguai. A classe de proprietários da fronteira havia se estendido – econômica, política e culturalmente –, em direção à Banda Oriental, com a propriedade de terra e rebanhos e a constituição de laços sociais e familiares.

Quando a república uruguaia surgiu, os estancieiros rio-grandenses se viram às voltas não apenas com uma limitação em suas possibilidades econômicas (queriam o fim das tarifas de fronteira para usufruir dos rebanhos que tinham nos dois países), como também com um novo concorrente.

Os orientais, como eram chamados os uruguaios, também produziam o charque. Pior: o governo brasileiro não cobrava tributos sobre o charque que vinha de outros países, enquanto aquele produzido na província recebia pesada taxação para o sal utilizado. Quando a temperatura subiu e se transformou em confronto aberto com o governo central, os estancieiros da Fronteira e alguns poucos segmentos urbanos se revoltaram, mas os charqueadores, de olho nos negócios do charque e do couro com o centro do país, ficaram com os imperiais.

O separatismo, no entanto, não era o principal combustível da iniciativa dos revoltosos. A classe dos proprietários da Fronteira via a relação com o poder central como injusta. As exigências econômicas, com os pesados impostos, e a “ingratidão” demonstrada em relação aos defensores da fronteira do império pesavam na tensão que se estabeleceu entre os estancieiros da província e o Rio de Janeiro. As causas da revolta, portanto, se concentravam sobretudo em questões econômicas e de autonomia regional. Como afirma o historiador Boris Fausto, o Rio Grande do Sul “era um caso especial entre as regiões brasileiras, desde os tempos da Colônia”, seja “por sua posição geográfica, formação econômica e vínculos sociais, os gaúchos tinham muitas relações com o mundo platino”. A separação surgiu então como a cartada definitiva, o sinal inequívoco de ruptura.

O espaço – A região de fronteira foi fundamental para os revolucionários, que se bandeavam para o Uruguai como refúgio, para se rearmar e se reabastecer. Além disso, escoavam por Montevidéu a produção do charque, já que o único porto da província, em Rio Grande, nunca deixou de ser imperial. O terreno dos combates foi, na maioria das vezes, as grandes extensões da Campanha gaúcha e seus pequenos núcleos urbanos: Piratini, Bagé, Caçapava do Sul e Alegrete. Por um breve período, a revolução foi levada à província vizinha de Santa Catarina.

Personagens – O líder da revolta foi o estancieiro e militar Bento Gonçalves da Silva. Descendente de prósperos proprietários de terra, Bento se destacou em diversas campanhas militares na Cisplatina. Mais tarde, foi eleito deputado provincial. Foi em uma das sessões da Assembleia que o presidente da província o acusou de querer separar o Rio Grande do Sul do Império. Como ele, quase todos os líderes farroupilhas eram militares oriundos de famílias de estancieiros.

Antônio de Sousa Netto era filho de estancieiros da região de Rio Grande e comandava a legião da Guarda Nacional de Bagé quando eclodiu a revolta. Os coronéis Onofre Pires, Lucas de Oliveira, José de Almeida Corte Real, Teixeira Nunes, Domingos de Almeida e os generais David Canabarro e Gomes Jardim tinham suas trajetórias ligadas às armas. O político e comerciante Vicente da Fontoura foi o principal líder civil da República.

Os farroupilhas contaram com ao menos duas dezenas de revolucionários italianos refugiados. O mais destacado deles sendo Giuseppe Garibaldi, “herói dos dois mundos”, um dos personagens principais da unificação italiana, duas décadas mais tarde. Lutando junto aos rio-grandenses, Garibaldi conheceu Ana Maria de Jesus Ribeiro, Anita Garibaldi, na tomada de Laguna. Ela se tornaria sua esposa e o acompanharia em suas lutas na Itália. Morreu como “a heroína dos dois mundos”.

Dois conterrâneos de Garibaldi também imprimiram seus nomes na história gaúcha: o naturalista Tito Lívio Zambeccari e o jornalista Luigi Rossetti. Esses exilados trouxeram à luta farroupilha ideais e métodos oriundos da Carbonária, uma sociedade secreta inspirada nos maçons, de ideologia liberal e que tinha como principal objetivo tornar a Itália independente. Entre os imperiais, “os outros”, as principais figuras foram Lima e Silva, Manuel Marques de Sousa e Bento Manuel Ribeiro, que lutou pelos dois lados.

O início – A revolução começou em Porto Alegre. Em 20 de setembro de 1835 os farroupilhas lançaram a sua tentativa de tomar a capital. Na Ponte da Azenha sobre o arroio Dilúvio uma escaramuça deixou dois guardas imperiais mortos. O presidente da província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, foi alertado, tentou defender a cidade, mas, tendo o efetivo local se declarado revolucionário, fugiu para Rio Grande e, de lá, seguiu para o Rio de Janeiro, onde deu o seu relato ao poder central. Bento Gonçalves escreveu então ao regente imperial, solicitando a nomeação de um novo presidente. Não tinha a intenção de separar a província do Brasil. Os farroupilhas esperavam uma mudança enfática na condução da política imperial em relação aos rio-grandenses. O que obtiveram foi uma resposta de força.

O substituto de Braga, Araújo Ribeiro, chegou em menos de três meses. Vinha acompanhado de um arsenal de guerra, tropas e um experiente oficial naval inglês, o temível John Pascoe Grenfell. Araújo Ribeiro foi empossado presidente da província e os revoltosos interpretaram esse movimento como declaração de guerra. Os farroupilhas agrupam suas forças, boa parte vinda do estilo de vida caudilhesco da fronteira. O vínculo entre o empregado campeiro e seu patrão adquire valor político e a lealdade é levada ao campo de batalha.

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Coordenação: Jonathas Costa e Luciamem Winck | Edição: Paulo Mendes e Cristiano Abreu | Textos: Cristiano Abreu e Juliano Bruni | Diagramação: Pedro Dreher

 

Fonte: Correio do povo

 

 

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